quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Desemaranhando ideias sobre o AUTOIMPERIALISMO, de Benjamin Moser - Dourovale


Algumas vezes, quando vou escrever, já tenho a ideia e a maior parte do caminho definidos. Parece que falta apenas sentar e escrever. O texto sai do mundo das ideias e alcança minhas mãos. E ele, o texto, vem como um emaranhado entre meus dedos. Basta apenas o trabalho braçal de desmaranhar as ideias, cuidadosamente enrolar um novelo de palavras e tricotar a peça.
Acontece que nem sempre encontro facilmente a ponta desse emaranhado. Isso resultada em uma demora inesperada, um engasgo literário não desejado, um travamento quase desesperador. Caso não localize logo essa ponta, o futuro texto fica ali esperando um fórceps ou uma cesariana. Se nem isso acontece, resta-me ainda duas opções: Ou aguardar um nascimento temporão (que não terá o mesmo gosto ou efeito); ou cometer um aborto.
Um desses textos que está na fila do temporão ou do aborto é sobre a morte do Belchior. As ideias, emaranhadas em minhas mãos, começam a envelhecer virgens, talvez eu já perceba nelas alguns sinais de infertilidade...
O mesmo ocorria com este texto que está nascendo!

Desde que terminei a leitura do AUTOIMPERIALISMO, de Benjamin Moser, tenho a necessidade de tricotar esta peça. Faltava-me a ponta do novelo.
Já andava angustiado, sentia-me um inútil...
Foi nas páginas de um outro livro que encontrei a tal ponta. TEMPOS VIVIDOS, SONHADOS E PERDIDOS, do Tostão. Mais precisamente no último parágrafo do primeiro capítulo:
“Alguns pensadores relacionam o estilo descontraído e irreverente e a improvisação do futebol brasileiro com a brincadeira e a falta de compromisso – da mesma forma como alguns escritores, como Machado de Assis, definiram o homem brasileiro. Esses e tantos outros motivos foram determinantes para a criação do estilo brasileiro de jogar, único, que se perdeu progressivamente ao longo do tempo. Hoje, estamos sem identidade, sem saber onde estamos nem para onde vamos.”
Não é isso, mas também sobre isso que Benjamin Moser trata em seu livro. Os três ensaios que ele nos apresenta são:
- Cemitério da esperança Brasília aos 50;
- A pornografia dos Bandeirantes;
- Autoimperialismo.
Os textos se relacionam e se completam. O olhar estrangeiro sobre nós serve como as críticas que os
amigos nos fazem sobre aquela camisa ou aquele comportamento. Somos sempre ocupados demais conosco mesmo para podermos nos perceber por inteiro? Geralmente sim. Temos sempre a necessidade de amizades sinceras ou até das consultas com psicólogos para que possamos nos entender de uma maneira mais ampla. Precisamos de alguém sem envolvimento comente nossas relações e nos dê uma opinião neutra e sincera, sem medo de causar mágoas ou desconforto. Aprender a ouvir é imprescindível!
E o que ouvi de Benjamin Moser em Autoimperialismo? (Nas linhas seguintes não traduzo o que o autor disse, traduzo o meu pensamento após a leitura do livro).
Ouvi que o Brasil não ama os brasileiros. O Brasil tenta passar a imagem de uma nação que não comtempla os brasileiros. A construção de Brasília foi uma forma de isolar o país de seu povo. Faz uns poucos meses que trabalhadores de todas as regiões brasileiras tentaram invadir o congresso nacional por conta mal fadada reforma trabalhista. Ajudaram a malograr o custo para se chegar em Brasília e a estrutura da cidade. A cidade do avião e do automóvel não aceita quem não tem colírio.
Antes e depois de Brasília, o Brasil continua afastando os brasileiros para se imaginar como um país.
“A localização dessa vila era o morro da Favela, que legou seu nome a uma instituição que – muito mais do que o Theatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes ou a Biblioteca Nacional – definiria o Brasil moderno. A favela atrás do Theatro Municipal, a favela criada pelo Theatro Municipal – é quase ‘simbólico’ demais para ser verdade e, embora o Theatro Municipal e os bulevares parisienses não sejam a causa da pobreza brasileira, o homem arrasado com sua casa é um lembrete de que a miséria do país nunca foi inteiramente acidental”. (Autoimperialismo, Benjamin Moser, pg. 31)
Foi assim que surgiu a primeira favela do Rio, para dar espaço ao moderno, ao futuro. O mesmo método foi utilizado para que fossem montadas as estruturas paras as caríssimas Olimpíadas de 2016.
Sempre foi preciso esconder os brasileiros. Lembram da vinda do João Paulo II, esconderam as misérias e os miseráveis das vistas do Papa.
Enquanto isso há um Cristo que olha “tão longe e além, com os braços sempre abertos, mas sem proteger ninguém” (Cazuza – Um trem para as estrelas).
O Brasil quando cresce se esquece das pessoas e da língua. Expressões estrangeiras dominam e encobrem nossa língua e nosso entendimento. Há em algumas estações do metrô de São Paulo um quase elevador, nada automático, para servir idosos ou quem tem dificuldade em subir escadas. Para movimentá-los é necessário que se segure uma alavanca para cima ou para baixo. Nas explicações da forma de utilizar o equipamento você não encontrará a palavra “alavanca”, mas sim “joystick”. Nem todos os brasileiros sabem o que é um joystick, mas alavanca a grande maioria sabe o que é. Para quem é feito este país?
Prédios e mais prédios são construídos sem que existam as condições urbanas necessárias. Uma mesma rede de esgoto, implantada nos anos 60 ou 70 tem que suportar a rápida construção de prédios. Pessoas mudam para novos apartamentos sem a preocupação se a região possui escola suficiente para tantos filhos, sem se importar se as ruas são estreitas para tantos automóveis, sem acreditar que perderá a paisagem de suas sacadas para futuros empreendimentos imobiliários que serão construídos em frente ao seu prédio. Quem vai morar nos prédios apertados entre si? Milionários? Políticos? Grandes comunicadores? Para quem é feito este país?
Quando eu morava na Penha sentia-me angustiado por ser cada vez mais difícil observar o Pico do Jaraguá. Hoje, na Ilha de Caras, isso também está acontecendo. Em Barueri prédios surgem a todo instante e em todo lugar. A minha possibilidade de visão do Pico do Jaraguá ou de qualquer outra paisagem distante é cada vez menor... Os braços desestruturados da megalópole estendem-se cada vez mais longe, encobrindo a paisagem, violentando a vida humana.
Evolução nem sempre significa melhora. Evolução significa adaptação. Adaptar-se não significa ser/estar vivendo em melhores condições. Adaptar-se significa sobreviver. Sobreviver é menos que viver.
Já cantava Belchior “quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor”.  Em outra música, o poeta cearense nos diz: “e viva a vida e seus instintos no poder da flor”.
O livro Autoimperialismo, de Benjamin Moser, deve ser lido não para que você concorde ou discorde dele, mas para que possamos pensar nas questões do Brasil e dos Brasileiros (em todas as embalagens que se apresentem).
Antes que seja tarde demais:

O JARAGUÁ É GUARANI!

terça-feira, 29 de agosto de 2017

LAVÍNIA E A ÁRVORE DOS TEMPOS - Lucinei M. Campos

Qual o maior problema de livros infanto-juvenis nacionais de fantasia? Isso mesmo caro leitor, imitar os padrões dos romances importados de mesmo gênero, numa perda total do sentimento nacionalista. Lavínia e a Àrvore dos Tempos caracteriza-se, principalmente, por articular de forma harmoniosa os elementos fantásticos propostos pelo autor com a realidade brasileira.

Moradora da Rua Joaquim Tibúrcio, a protagonista Lavínia não possui nenhum amigo em seu colégio e passa o tempo livre com seu vizinho, Léo. Para não sofrer mais com os colegas de classe, ela deseja profundamente uma mudança em sua vida. Entretanto, a figura tradicional da fada madrinha, que deveria aparecer nesse exato momento é substituída por Laus, fada condenada pelo mundo da magia por seus crimes cometidos em parceria com seu irmão, Kaus. A pena consiste em ser protetor de uma criança humana e, para poder entrar em contato com o outro mundo, deve assumir uma forma também humana. Laus transforma-se então em Lorivaldo, um típico nordestino, cuja varinha de condão é substituída por uma peixeira. Com o passar dos dias, uma estranha aparição de criaturas mágicas faz Lorivaldo se perguntar se a escolha de sua protegida foi, de fato, aleatória, suspeitando uma inesperada relação entre Lavínia e o mundo mágico.

A obra prende o leitor, tanto pelos mistérios que rodeiam o destino de Laus, quanto pela forte ligação que criamos com Lavínia desde o início, já que, embora o livro seja narrado em terceira pessoa, temos acesso aos seus pensamentos e emoções a todo momento. Ao contrário de diversos títulos do gênero, os pais da protagonista estão sempre presente, e tem papel fundamental na história. Já a mitologia criada introduzida pelo autor, é reforçada com alguns elementos e personagens da mitologia grega.

Lucinei M. Campos é especialista em História da Áfria e da Diáspora Africana no Brasil, e atualmente divide seu tempo entre as salas e aula e a escrita (atividade que exerce desde pequeno). Além de A Àrvore dos Tempos, e do segundo volume da série, Lavínia e a Magia
Proibida, é autor também de Violeta Não Sabe Amar, seu último lançamento.  

terça-feira, 1 de agosto de 2017

BOA NOITE - Pam Gonçalves #BEDA2017

Desde a Bienal do Livro 2016, quando participei de um bate-papo com a booktuber Pâmela Gonçalves, me interessei por seu primeiro romance. Boa Noite foi minha primeira leitura concluída no mês de Agosto!


O livro não traz uma trama muito complexa, ou um grande número de personagens. A narrativa se passa, em sua maioria, na República das Loucuras, local que recebe a protagonista Alina durante sua graduação em Engenharia da Computação. Nos envolvemos desde os primeiros capítulos com a rotina e intimidade dos moradores da república, o que cria um vínculo forte entre leitor e personagens.

Quando não estão em aulas, os moradores da república se dividem entre festas e eventos característicos da vida universitária. Acredito que o principal objetivo da autora tenha sido apresentar aspectos sempre presentes, mas nem sempre comentados, do ambiente acadêmico. As bebidas e drogas, as diversas formas de preconceitos e as intrigas geradas pela convivência são algumas características acrescentadas aos poucos à obra, conforme Alina vai se adaptando e descobrindo novidades de sua nova vida.


Entretanto, todo o livro é permeado pela questão feminina, já que apresenta diversas situações de machismo, principalmente pelo fato da protagonista estar em um curso da área da tecnologia, cujas vagas são ocupadas predominantemente por homens.

Quando um concurso em sua faculdade é anunciado, Alina percebe tratar-se da oportunidade perfeita para denunciar tais situações por meio da criação de um aplicativo. No primeiro semestre de aulas ela conhece Artur. À primeira vista, o príncipe com o qual Alina sempre sonhou, mas aos poucos suas atitudes parecem revelar características de sua personalidade que podem ser nocivas à protagonista.

Embora a letra um pouco pequena, a edição é bonita e a leitura bem ágil, principalmente pelo citado envolvimento com os amigos de Alina (cheguei até a adiar um pouco o término pois sabia que sentiria saudades deles). Os temas retratados são extremamente importantes atualmente, e demandaram extrema coragem da autora, embora por vezes sejam levados ao leitor em um certo tom didático, talvez instrutivo demais, que poderiam ser incorporados à narrativa de forma mais orgânica.


Boa Noite é destinado para o público New Adult (gênero localizado entre o Young Adult e o Adulto. Para saber mais, clique aqui) e é um romance de estreia que deve agradar àqueles que já conhecem a Pâmela dos vídeos e aos novos seguidores.