terça-feira, 21 de maio de 2019

ÉDIPO E OS APOSENTADOS - Dorival Valente




Quando você é contratado de uma empresa, trabalha não apenas para sua aposentadoria. Os resultados do seu esforço ajudam a conquista de lucros para a empresa, para os donos dela e para o país. Em outras palavras, ao trabalhar você ajuda ao desenvolvimento de toda uma sociedade. Acontece que o ser humano envelhece e já não pode ou consegue produzir como antes. Fossemos máquinas seríamos desmontados, derretidos, sucateados. Não somos robôs! Agora, parece, que o ser humano idoso se torna um peso para a sociedade. Em Morte e Vida Severina, no enterro de um lavrador, trecho musicado por Chico Buarque do poema de João Cabral de Mello Neto, diz:

...É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas à terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas à terra dada, não se abre a boca
...”

Os economistas colocam os aposentados como um câncer para a sociedade, um estorvo, um peso a ser carregado. Dizem que os trabalhadores, em sua fase ativa, produziram pouco. Vai ver os milionários e bilionários empresários ficaram com tanto dinheiro porque acordavam antes da seis, pegavam ônibus, trem e metrô lotados, trabalhavam sozinhos mais de 8 horas por dia (fazendo algumas horas-extras), almoçavam em uma hora e ganhavam o suficiente para sobreviver. Caridosos, esses hoje endinheirados, ainda permitiam que alguns pobres fossem todos os dias às fábricas ou escritórios passar o tempo.

As pessoas, algumas, estão aprendendo a olhar os aposentados como vilões de uma sociedade que ajudaram a construir. É algo como uma história do Luís Fernando Veríssimo, um livro do Kafka ou um filme do Woody Allen, onde a personagem resolva matar o autor. Ou não! Talvez seja apenas um momento Édipo da nossa sociedade.