Faz uns três meses que terminei de ler o livro Confesso Que Perdi, do Juca Kfouri. Desde então queria escrever sobre ele, mas havia algo em mim que não conseguia traduzir. Nem sei se agora já sou um bom tradutor de mim. Contudo, entendo um pouco mais do que sinto.
A solidão das lembranças é cruel!
Algumas vezes, isto deve acontecer com todos, lembro de
fatos passados de forma tão nítida que até parece que aconteceram hoje de
manhã. Quando converso com alguém, que estava comigo quando o ocorrido ocorreu,
e a pessoa não lembra de nada daquilo, desperto para uma solidão de ser o único
que ainda vive aquilo. Talvez seja isso que o Cony sentia.
Esta semana morreu o Maradona. Ouvi uma declaração do Messi.
O que ele disse, para este texto, não importa. Tentei imaginar o que diriam os
jornais quando o Messi fosse o elemento sem vida. De repente percebi que, provavelmente,
eu já estarei morto quando o fato imaginado ocorresse.
Sei que agora você (seja lá quem for) deve ter pensado que
ninguém garante quem irá primeiro ou depois nessas questões mortíferas. Não é
esta questão. O assunto aqui é a expectativa de tempo vivo.
Quando somos novos temos a pretensão de tempo vivo maior que
todos nossos ídolos, exemplos, inimigos, contratempos. Assim que começamos a
admirar pessoas mais novas, nasce um algo incômodo intraduzível e engasgante,
uma casquinha de pipoca na garganta que a água não leva.
Chega um momento em que os atores da nossa vida se tornam
apenas histórias. Não falo exclusivamente dos famosos, mas de todos: parentes, amigos, desagrados, conhecidos, vistos.
A crueldade de 2020, sem dúvidas, ficará marcada nas
anotações históricas. Porém, essa angústia que sentimos se perderá quando o
último humano contemporâneo, ciente do que se passa, morrer.
Quando Juca Kfouri confessa que perdeu, na verdade, ele
protege suas memórias jornalísticas para que elas não sumam com a sua futura
morte (se é que um dia ele morrerá!).
Como uma pessoa de sucesso pode acreditar que perdeu?
Eu não sei o que ele pensou! Eu não sei o que os outros pensam!
Eu sei traduzir, para mim, o que li. Não quero dizer que
essa tão particular tradução seja “A Verdade”.
O livro conta histórias saborosas e curiosas. Ele sabe
lembrar e escrever. Dizem que é jornalista, mas escreve como colunista, cronista
ou, tempos modernos, como blogueiro. Assim é o livro: notícias com um viés
pessoal.
Durante a leitura do livro do Kfouri, tentei entender o que
ele perdeu.
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Em um Natal dos anos 70, ganhei um jogo inspirado no programa do Sílvio Santos "Só Compra Quem Tem". Para este texto vou adaptar o nome do jogo para “Só Perde Quem Tem”!
Só perde a memória, quem tem memórias para perder. Pelo visto, o Juca ainda traz guardado num
quintal dentro de si (como cantou Belchior) muitas lembranças. Algumas ele as
perdeu em um livro para que elas não sejam mais apenas dele.