terça-feira, 12 de agosto de 2014

Eumesmocídio - Por Dourovale



Na madrugada de ontem (11 de agosto), na Avenida Liberdade, próximo à Estação São Joaquim, aconteceu um aborto espontâneo. O feto, de 4 meses, ficou jazendo no asfalto, esperando a perícia e protegido por dois policiais até umas 10 horas. Somente depois das 7 é que aquele ser humano em formação foi coberto por uma caixinha de papelão. Ficou muito tempo exposto aos olhos de quem ia trabalhar.
Eu não fui ver. Se apenas a ideia do fato já me tirou as energias e deixou o dia mais difícil...
Não foi uma notícia destaque de nenhuma forma de jornal porque foi uma ação natural. Apenas os crimes instigam nossas mentes e dão audiência.
Na noite de ontem, também, vi a notícia da morte de Robin Williams,
provavelmente vítima de eumesmocídio. Dizem que estava deprimido ultimamente...
Seria o aborto espontânea também uma forma de eumesmocídio? Teria o ser humano essa capacidade de decidir se continua ou não a brincadeira de viver enquanto ainda é feto? Ainda na barriga da mãe seríamos capazes de ficar deprimidos?
Nem todos que se matam o fazem por depressão. Alguns cometem o ato por opção, de forma consciente e racional. É, ao menos me parece isso,o que aconteceu com o Walmor Chagas, que ao perceber que já vivera o que lhe fora possível e que, provavelmente, daquele ponto em diante só viveria as impotências de ser, decidiu “que é melhor partir lembrando,que ver tudo piorar” (trecho da música  Borandá do Edu Lobo).
Lá pelos meu 16 ou 17 anos briguei com o Oswald de Andrade por causa de uma morte. Eu sei que ele morreu 11 anos antes de eu nascer... Há um livro chamado “Alma”, é o primeiro de uma trilogia intitulada “Os Condenados”.
Alma era o nome da personagem central. Uma vadia, quero dizer, um espírito livre que vivia fora dos padrões da sociedade. Acontece que um português, inocente, se apaixonou pela garota e, quando ele lhe era interessante, Alma vivia com João (acho que era esse o nome do portuga). Porém, devido à sua liberdade espiritual, ela sempre o traia, passava uns perrengues e, na necessidade, voltava ao lusitano que a perdoava e a aceitava.
Quando pela primeira vez ela não o traia, João, passando pelo Parque da Luz, avistou Alma com outro homem. Era um primo da va..., digo, da moça que voltava da Europa. O português vendo a cena dela com outro não foi tirar explicações, decidiu agir. Foi até a Ponte das Bandeiras e se atirou no Tietê. Cometeu um eumesmocídio.
Eu fiquei tão puto da vida com o Oswald de Andrade, pelo destino que ele deu ao personagem, que parei de ler o livro e fiquei meio birrado com o autor.
Talvez você encontre Os Condenados em algum sebo. Há uma edição muito boa, com capa dura, do também falecido Círculo do Livro.
Acredito que João tenha perdido as forças, a esperança, a fé, o amor, que estava se sentindo “mais só do que eu merecia” ( Sempre Não é Todo Dia, Oswaldo Montenegro) e, infelizmente para ele, assim como para o Robin Willians, assim como para o feto, não houve uma salvavidas que lhe pudesse ajudar.

Sorte daqueles que tem alguém para lhes salvar da vida!


Dourovale
          (metroviário e escritor, autor do 
Artesão da Literatura - Os Primeiros a Contar)

4 comentários:

  1. Olá.

    Mas uma vez estou feliz... Cada vez que leio uma linha do que escreve retira de mi uma expressão e sentimento.
    Amo sua literatua,
    PARABÉNS

    mariá

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    1. Puxa, Mariá! Muito obrigado! Fico feliz e lisonjeado por poder alcançar alguém dessa forma. É esse o objetivo maior de um escritor.

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