Não! Você não sabe do que eu estou falando. Por mais que
entenda as minhas palavras ordenadas em frases, você não é capaz de me entender.
Sabe por quê? Porque somos unos! Você é apenas o que tem; e não tem o que você
pensa possuir.
O que temos realmente de nosso não são os bens, tão pouco as
glorias. Nossa memória, nossa falha memória, pode muito bem alterar nossas
lembranças e nossa história sem que sequer percebamos. Os que nos consideram amigos
e as pessoas que, inexplicavelmente, nos amam portam sentimentos sobre os quais
recebemos como dádivas, mas não possuímos.
Os imóveis, assim como qualquer possível empresa, apenas
administramos. Os automóveis, dirigimos. As roupas, os sapatos, os anéis,
vestimos e nos adornamos. Tudo aquilo que for para uso, mesmo que haja uma
folha gritando que somos “donos”, são indiferentes objetos, não nos formam.
As alegrias são vãs. A tristeza é superável. Os amores
estão, não são. Nós os vivemos, eternizamos e, se for preciso, distraidamente
os esquecemos.
O que podemos dizer ser nosso são os motivos, os ideais,
aquilo que nem sempre comentamos mas que impregna nossas crenças, nossos
desejos e buscas. Sonhadores são os que
expõem muitas vezes sua essência.
Em 1973, Moacyr Scliar lança pela L&PM “O EXÉRCITO DE UM
HOMEM SÓ” para que pudéssemos entender que toda glória, toda miséria, toda
conquista, toda derrota de um grupo, de uma equipe, de uma sociedade é, antes
de tudo, um resultado individual.
Mesmo sabendo que necessitamos de outras pessoas para
sobrevivermos (e quanto mais moderno e isolador fica o mundo, mais dependemos
dos outros), toda honra e todo desgosto, toda vitória e toda vergonha seguem um
caráter individual e indistributivo.
Não! Você não sente a minha dor, por mais criativo e
imaginativo que sejas. Você não
desfruta o meu prazer, por mais companheiro,
parceiro ou solidário que estejas. A morte é uma ação individual, assim como a
vida.
Você sabe ler, mas não o que eu escrevi. Eu li o Moacyr e
entendi, não o que ele escreveu, mas o que li e, por mais que te explique, você
nunca vai saber o que compreendi. Desse mesmo jeito, eu nunca saberei do seu
entendimento sobre tudo isto que escrevi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário