(Este texto é dedicado de forma tardia e carinhosa à
Jornalista e Amiga LUCIANA DIAS, pessoa sincera, solidária, admirável...
profissional tão ética que soube não se fazer notícia. A última música deste
texto começou a tocar no rádio quando decidi fazer esta homenagem, então eu a coloquei
também para Luciana. Espero que ela goste).
No início dos anos 80 Marcelo Rubens Paiva lança, pela
histórica Editora Brasiliense, seu primeiro livro.
FELIZ ANO VELHO! Não é apenas um livro que fala de luta e
superação. Misturando os tempos, ele relata o seu descobrir o mundo e aprender
que nele há muitos mistérios. Algumas questões, alguns medos, algumas
incompreensões que eu debatia e trazia
apareceram ali. Eu me traduzia nas palavras de Paiva. Éramos de classes sociais
diferentes e isso nos distanciava. Contudo éramos jovens e tínhamos sonhos
demais (quem sonhou só vale se já sonhou demais – Beto Guedes).
Para Fernando Pessoa os sonhos não acabam quando acordamos,
mas sim quando levantamos.
“...
Conquistamos
todo o mundo antes de nos levantar da cama; Mas acordamos e ele é opaco, Levantamo-nos e ele é alheio, Saímos de casa e ele é a terra inteira, Mais o sistema solar e a Via Láctea e o
Indefinido.
...”
Algumas vezes só nos levantamos da cama dos sonhos ao perdermos o chão.
Infelizmente um mergulho maldito e maldado tornou o Marcelo
um tetraplégico...
Nessa mesma época, João Carlos Pecci lança pela, Summus
Editoral, MINHA PROFISSÃO É ANDAR. Livro com situação semelhante e também motivador e de enorme sucesso, apesar
de não me trazer as inquietudes da transposição adolescente/adulto, também é motivador e inspirador.
Não sou de superestimar nem subestimar o poder dos livros,
mas, além de mostrar a possibilidade de superar ou suportar obstáculos “intransponíveis”,
esses livros trouxeram o debate sobre acessibilidade e direitos aos que têm necessidades especiais. Ou pode
ser que já era o tempo desses debates.
Em 22 de junho de 2015, num show do Teatro Mágico, em Osasco, vi o Douglas
Jericó ser elevado ao palco numa cadeira de rodas e cantar junto com o Fernando Anitelli. Emocionante! Tempos depois conheci o Dôdi em um show em que se apresentou na FUNARTE.
A história do Dôdi é emocionante. Ele, um dia...
Melhor ele mesmo contar. Veja o vídeo
Domingo, dia 18, assisti à peça “OS INTOCÁVEIS”, com Marcello Airoldi, Val Perré, Eliana
Guttman, Bruna Miglioranza, Carolina Parra, Ricardo Ripa e Fernando Oliveira.
Todo elenco vai muito bem. Val Perré faz você rir do início
ao fim da peça, sensacional.
Podendo mover apenas a cabeça e tendo como recursos teatrais
apenas as expressões faciais e a voz, Marcello Airoldi dá uma aula de
intepretação. O corpo dele se torna no palco um boneco de pano.
Deixa que lhe
carreguem, que lhe movam sem oferecer resistência, sem ajeitar um dedo sequer
(sim, eu fiquei observando se ele arrumaria os dedos da mãos quando o colocavam
na cadeira e eles ficavam um pouco tortos e desesticados).
A história é comovente. Procurando alguém que lhe sirva como
braços e pernas, o tetraplégico escolhe aquele que lhe trata sem piedade, sem
superioridade, como um igual. Os dois se ajudam e evoluem.
O meu amigo Dôdi também tem seu Val Perré (mais bonita), é
sua companheira Milena Possidonio.
Nossos limites e nossas limitações existem. Não podemos
tudo. Não podemos sempre. Estamos presos “nesta cela de ossos, carne e sangue,
dando ordens a quem não sabe, obedecendo a quem tem” (Zé Rodrix). Mas isso não
é o fim.
Conquistar, evoluir, alcançar, vitoriar... não são certezas.
São possibilidades!
Tudo depende se você vai ou não dar uma chance para a sua
evolução.
Se você estava em um quarto do pânico nos últimos dias, com medo de ser atingido por meteoro diferentão e vanguardista, e não teve acesso a nenhuma rede social, você provavelmente não ficou sabendo do ocorrido na Argentina: a morte de um golfinho por descuido dos banhistas que, ao invés de devolvê-lo ao mar, aproveitaram o momento pra tirar aquela selfie que bombaria de curtidas no Insta.
ATENÇÃO: ESSE POST NÃO É RECOMENDADO PARA PESSOAS QUE NÃO GOSTAM DE GOLFINHOS, POIS ESTARÁ CHEIO DE FOTOS DOS MESMOS, COMO JUSTIFICATIVA, O AUTOR AFIRMA QUE SÃO AS MELHORES IMAGENS DA INTERNET.
O absurdo e a crueldade do ocorrido todo mundo já sabe, já comentou e já compartilhou, mas o foco desse texto é outro. A geração selfie, que respira WhatsApp e se alimenta de Netflix tem criado uma nova forma de leitura, mais desatenta, despreocupada e, consequentemente, mais rasa (não pensem que estou me excluindo desse grupo. Foi justamente percebendo minhas atitudes que decidi escrever sobre isso. Talvez um auto puxão de orelha).
Em Agosto do ano passado, o site da Editora Intrínseca publicou o texto Como o Facebook nos Transformou em Leitores Desatentos, de Filip Vilicic, Na publicação, Vilicic comenta a dificuldade de se concentrar em apenas uma tarefa nos tempos atuais, com o celular apitando, o Spotify tocando, o computador conectado e a TV ligada (sim... tudo isso está acontecendo enquanto escrevo) e, talvez, a tarefa mais prejudicada seja a leitura, não apenas por dedicarmos menos tempo à ela, mas também por querermos dividí-la com outras três. Não consigo contar quantas vezes tive que reler uma página inteira por não ter entendido uma única palavra, mesmo tendo passado meu olho por todas. Ou quantas vezes passei mais tempo procurando um ângulo bacana do livro para postar no Snapchat, do que realmente o lendo.
Mas acho que a influência da internet na leitura vai além disso. Enquanto acompanhamos nosso feed no Twitter ou no Face nos deparamos com informações novas, desde notícias que não tínhamos lido, até filmes que ainda não vimos, e essa avalanche de informações influencia diretamente na escolha das nossas próximas leituras. Não que seja algo maléfico, mas a procura de livros em livrarias e bibliotecas nos dias de hoje, com certeza se diferencia da que fazíamos a cinco anos atrás. Grandes responsáveis por essa mudança somos nós, blogueiros e vlogueiros literários que, as vezes, não nos damos conta da importância e do cuidado que devemos ter ao indicar e comentar livros.
Um dos meus canais literários favoritos é o Cabine Literária, e em um dos vídeos (link aqui) a Tatiany Leite mostra um cálculo de quantos livros vamos ler ao longo de nossa vida, considerando um livro lido por semana (uma média até que alta), e o número total é de 3.510 livros. Sim, pode pegar o lencinho porque eu também chorei sangue depois dessa notícia, e é esse número que tem me motivado cada vez mais a pensar duzentas e trinta e cinco vezes antes de iniciar uma leitura, e a desligar o celular enquanto estiver lendo. Só assim, espero diminuir a quantidade de golfinhos mortos pelas páginas, que não percebi estarem ali por causa de uma simples selfie.
E enquanto você espera desesperadamente pelo lançamento da biografia da Claudia Milk, deixe nos comentários suas opiniões e como andam as suas leituras atualmente.
“Tenho consciência de ser
autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade,
despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra
vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende!” Cora Coralina
Diz
a regra que pela desnecessidade os monossílabos tônicos e as oxítonas
terminadas em “U” não recebem o acento grave (exceção quando o “u” é a segunda
vogal tônica de um hiato, por exemplo: Guaraú).
Regras...
A
força dessas palavras terminadas com “U” tônico faz com que muitos, sem saber
que erram, acentuem palavras como NÚ, URUBÚ, CAJÚ... e mais alguma que você
lembrar. Visualmente as palavras ficam
mais imponentes. O acento lhes cai bem, parece até uma medalha de “honra à
força e à atitude”.
Talvez
seja por isso que a menina Mayra Corrêa decidiu adotar como seu sobrenome
artístico uma palavra de duas sílabas, oxítona, terminada em “U” e acentuada.
Além é claro de, nas suas palavras, fazer uma homenagem a alguém que ela
considera como pai.
A
simplicidade mariana e a força gadúense dessa cantora pode ser percebida na
escolha de seu repertório e na sua interpretação única, mas é quando está no palco que se percebe
toda a sua energia, sua determinação , sua luz e sua coragem.
Apesar
de toda modernidade visual, eu mais ouço do que vejo música e adorava quando sua voz aparecia para meus
ouvidos.
Ela
realizou um show em Brasília que foi transmitido ao vivo, foi a primeira vez
que a vi.
Pode
ser que eu seja mesmo muito desligado; ou a transmissão não lhe fez justiça. No
meu imaginário, Maria Gadú era uma pessoa com a altura parecida com a da Elis
Regina. Por uma questão de justiça não faço comparações entre talentos de
tempos e recursos distintos. Acontece que fazia já duas semanas que eu ouvia
repetidamente um cd da Pimentinha: Transversal do Tempo. Que força!
Que
atitude! Que mulher! Uma das minhas frustrações é nunca ter visto, ao vivo,
Elis. Logo iriam liberar a venda de ingressos para o show da Maria Gadú e aquela
convivência com Elis reforçava mais ainda a imagem que eu criara.
Já
sabia que conseguir os ingressos seria uma batalha. E foi. A vitória não era
uma certeza, a determinação sim.
Dias
antes da venda dos tais ingressos, o programa da Tv Cultura ENSAIO, recebeu
Maria Gadú.
Foi
a primeira entrevista que eu vi da cantora. A primeira coisa que me chamou a
atenção foi a sua altura. O imaginário que eu criara sobre ela se despedaçou.
Decidi, então, me despir de qualquer ideia ou opinião sobre a artista e passei
a contemplá-la como se folheasse as primeiras páginas de algum livro famoso,
mas que eu ainda não tivesse lido. É assim que se entende e se aprende qualquer
coisa, nu de pré-concepções (dane-se a nova ortografia ou qualquer corretor de
texto, escrevi pré-concepções com hífen e é assim que vai ficar).
Dona
de uma timidez não impeditiva, aquela mulher cantou a sua história e contou a
sua arte. Em mim, sua imagem se
fortalecia e ela se tornava cada vez maior. Uma salada agridoce. Em suas
palavras e conceitos uma mistura de gente de casa com gente do mundo, gente
deste tempo com gente eterna. É como se fosse uma prima de segundo grau que a
gente admira, que é parente e não é ao mesmo tempo.
Tempo,
tempo, tempo, tempo...
Final
do mês passado fui até Goiás Velho...(Calma, não estou mudando de assunto!)
“Nada do que eu fui me veste agora Sou toda gota, que escorre livre pelo rosto”
“o tão famoso e
inesperado verso que te
deixará pasmo, surpreso, perplexo...“
Foi
lá a última residência de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas. Não conhece? E se eu te disser que esse
era o nome de outra grande artista... Cora Coralina.
Cora
significa Coração; Coralina vem da cor vermelha. Emoção e força traduzem essa
poetisa.
Saiu
de casa para viver uma história. Em São Paulo sobreviveu e ajudou na revolução
de 32. Apesar de já despontar em alguns artigos de jornais, o marido, juiz, não
lhe permitiu a literatura. Sobreviveu ao marido. Com doces e poesias fez seu
destino. Um dia alguma de sua poesia recebeu a visita dos olhos de Drummond,
que a refletiram para o resto do mundo.
Claro
que eu já havia lido algo de Cora Coralina, mas poesias soltas, desconhecia sua
história. Conversando com uma senhora que possui uma loja de artesanato em
frente à casa de Cora (hoje é um museu) descobri que ela gostava de conversar
com estudantes e com quem quisesse ouvi-la, mas não suportava perguntas
triviais ou idiotas.
Foi
a primeira mulher a receber o prêmio Juca Pato. Seus livros são da simpática
Global Editora, que fica na casa em que viveu o arquiteto Ramos de Azevedo (ao
lado do Metrô São Joaquim, vale a pena visitar, mas não sei se é possível, o
restaurado e conservado casarão). Também aparecem no catálogo da Global Editora
os livros do inspirador Aníbal Machado, melhor contista brasileiro; do João
Carlos Marinho, autor do primeiro livro que li: O Gênio do Crime; além de
outros com Darci Ribeiro, Marcos Rey, Ana Maria Machado, Mário Quintana... e
por ai vai.
Com
Cora Coralina também fui surpreendido pelo meu desconhecimento de sua história,
de sua luz e de sua força. Para mim, inculto sobre sua biografia, ela era
apenas uma senhora que começou a fazer poesia após os 70 anos. Fruto de
inspiração? Claro, poderia ser, mas nenhuma literatura é apenas fruto de
inspiração. Sempre há o suor. “Aceitei
contradições
lutas e
pedras como
lições de vida e delas
me sirvo Aprendi a
viver.”
“Quando já não tinha espaço pequena fui Onde a vida me cabia apertada Em um canto qualquer acomodei Minha dança os meus traços de chuva”
E
assim, com suor, que consegui os ingressos para presenciar o brilho de Maria
Gadú.
Se
eu já estava impressionado com o que vi dias antes na tv...
“Salvando minha alma da vida Sorrindo e fazendo o meu eu”
“Não te procurei, não me procurastes – íamos sozinhos por estradas diferentes.”
Algumas vezes a gente só descobre dos perigos que nos
rondavam quando somos salvos.
A mesma timidez não impeditiva, um jeito de nos fazer “sentir
em casa”, um imã que atrai toda a sua atenção. As letras de Maria Gadú perdem,
ao vivo, qualquer verniz radiofônico e
se expandem em você como aquele eco que fazem as pedras quando são atiradas na
água. Impressionante! Impressionado! Imprescindível!
Maria Gadú e Cora Coralina não são pedregulhos atirados no
lago, são como montanhas atiradas ao mar;
e seus ecos em nós não são passageiros como tudo que se expande na água, são impressionantes... são marcantes... são
eternos!
“O fardo pesado que levas Desagua na força que tens”
“Renovadora e
reveladora do mundo A
humanidade se renova no teu ventre.”
As citações que aparecem entre aspas ou são de Maria Gadú ou de Cora Coralina.