segunda-feira, 16 de setembro de 2019

As Nove Deusas Inspiradoras - por DCV




Ontem vi um filme francês UM CONTO INDIANO. Ele é uma reprodução do argentino UM CONTO CHINÊS. Pesquisando na internet descobri que haverá mais uma versão dessa história, nos EUA (e o estrangeiro será um mexicano). De preferência assista ao argentino (com Ricardo Darin). O inverso aconteceu com OS INTOCÁVEIS (francês) e OS INSEPARÁVEIS (versão argentina), e AMIGOS PARA SEMPRE (versão americana).

Nada contra essas versões, que mais se parecem cópias, mas pouco a favor.
Assisti ao desenho e a peça do Rei Leão. Mesma história, mesmas falas, mesmas ações. Agora há uma versão em filme: mesma história, mesmas falas, mesmas músicas, mesmas ações.
O que acontece? Há falta de novas histórias? Acabaram os bons roteiristas? Será que as nove Deusas Gregas inspiradoras das artes pediram férias de algumas décadas à Zeus?
(ficou curioso sobre essas deusas? Confira aqui: https://www.santuariolunar.com.br/deusas-as-musas/ )
Vivemos uma época em que os comerciantes das artes preferem envernizar, o que já existe, do que apostar em criações novas.
O que já foi bom ou ótimo (e ainda é) recebeu essa classificação pela sua originalidade, pelo que representou em sua época, pelo seu significante e seu significado. O filho da Elis cantando, junto com a mãe (graças ao deus computador) O BÊBADO E A EQUILIBRISTA, é deprimente.

Querem modificar os textos do Monteiro Lobato. Há publicações que “atualizam” a linguagem do Machado e do Alencar. O Marcelo Rubens Paiva disse (não sei se já o fez) que vai reescrever seus livros para que se enquadrem dentro do (atual) politicamente correto. Para que tudo isso?
 Acham que assim podem viajar no tempo e alterar o passado que hoje não lhes agrada? Vamos repintar a Monalisa (a original) com as roupas da moda?  Vamos vestir a nudez no picnic de Monet? Será que mudar a músicas significa que limpamos da nossa história as vezes que atiramos o pau no gato?
Dia desses escrevi, em um comentário no facebook, comentando a queima dos documentos da escravidão no Brasil, realizada pelo Rui Barbosa. O presente sempre tenta negar o passado com o intuito de não ser criticado no futuro. Isso é um grande erro.
A minha história, a sua história, a nossa história precisam servir como estudo,
Walter Benjamin
aprendizagem, saudade e comparação. Pode ser repesquisada, receber novos comentários e análises. Mas ela não deve, em hipótese alguma, ser reescrita. A verdade, para ser verdadeira, não pode ser alterada.
Há, claro, passagens da minha vida que não me orgulho. Cometi enganos e erros. Fui cruel quando não deveria, fui bom quando não precisava, fui neutro quando a posição era exigida. Também fiz o certo, o correto e o necessário. Sou o resumo de todas essas ações. Não posso maquiar meu passado, pois corro o risco de perder a minha essência.
Uma das minhas frustrações é não saber desenhar uma linha torta ou reta. Isso é ruim! Mas pior seria se eu tivesse o domínio da arte das tintas e gastasse o meu talento copiando as grandes obras.
Há grandes roteiros esperando uma filmadora!
Há grandes músicas esperando ouvidos!  
Há grandes livros esperando leitores!
Há grandes pintores esperando por salas de exposição!

Acontece que nossos olhos, nossos ouvidos, nossas bocas, nossos pés, estão proibidos de acessar o novo. Não o novo qualquer. O novo de qualidade.
O dinheiro que move as multidões só pode ser gasto com a certeza do retorno...
E as certezas estão enraizadas no que já foi feito, testado e aprovado.
A novidade nunca foi tão proibida como nesta época de cópias!
Um abraço!

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Ensaio Sobre a Lucidez - por Dorival Cardoso Valente





Ensaio Sobre a Lucidez é o 11º livro que leio do Saramago.
José Saramago
Uma das vezes em que participou do programa Roda Viva, da Tv Cultura, José Saramago comentou sobre o livro que escrevia naquele momento. Ele acreditava que Ensaio Sobre a Lucidez seria um livro mais impactante do que o Ensaio sobre a Cegueira, ou O Evangelho Segundo Jesus Cristo.
Infelizmente não foi assim que entenderam a crítica e os leitores.
A história é sobre a tomada de consciência de uma população que de forma espontânea e criativa se rebela contra o sistema vigente.


Não acontece uma revolução armada. Não é um livro de guerra. O autor imaginou uma ação que é, ao mesmo tempo, revolucionária, pacífica, transgressora, tranquila, normalista, anarquista e desobediente. Os governantes, na história, ficam perdidos e não sabem como agir. Tentam absurdos para reverter os pensamentos e as atitudes (ou a falta de ações) que aos poucos destroem o poder ou, melhor, destroem a impressão de poder.
Como bater em quem não te agride?

Como prender quem não pecou?
Como ser cruel com quem não se importa?
Por esses dias comentei uma atitude que minha mãe me ensinou: Se você não quiser que um apelido pegue, não dê bola. Deixe a pessoa falando e não dê importância. Sábias palavras!
Ensaio Sobre a Lucidez, como todo bom livro, nos faz refletir. Não sobre o nosso individualismo, mas na nossa forma coletiva de viver.
A principal preocupação dos governantes (os de agora, os de ontem, os de anteontem, os de sempre) é a sua manutenção no poder. Para isso a manipulação das crenças e dos pensamentos é essencial. ...e se deixássemos de aceitar isso? ...e se resolvêssemos pensar livremente?  ...e se decidíssimos usar as nossas próprias palavras? ...e se lêssemos mais que fofocas?
Muitas vezes um livro, lido sem preceitos ou preconceitos, faz mais estragos que uma batalha.
Não sei se Ensaio Sobre a Lucidez é mais impactante que O Evangelho Segundo Jesus Cristo ou o Ensaio Sobre a Cegueira, mas, tanto quanto os outros dois, é uma leitura que perturba (no bom sentido do termo).
Nestes tempos de trevas, merdas e fogo no Brasil, é uma leitura necessária.
Para quem aceitar a dica e puder, Boa Leitura!


terça-feira, 21 de maio de 2019

ÉDIPO E OS APOSENTADOS - Dorival Valente




Quando você é contratado de uma empresa, trabalha não apenas para sua aposentadoria. Os resultados do seu esforço ajudam a conquista de lucros para a empresa, para os donos dela e para o país. Em outras palavras, ao trabalhar você ajuda ao desenvolvimento de toda uma sociedade. Acontece que o ser humano envelhece e já não pode ou consegue produzir como antes. Fossemos máquinas seríamos desmontados, derretidos, sucateados. Não somos robôs! Agora, parece, que o ser humano idoso se torna um peso para a sociedade. Em Morte e Vida Severina, no enterro de um lavrador, trecho musicado por Chico Buarque do poema de João Cabral de Mello Neto, diz:

...É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas à terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas à terra dada, não se abre a boca
...”

Os economistas colocam os aposentados como um câncer para a sociedade, um estorvo, um peso a ser carregado. Dizem que os trabalhadores, em sua fase ativa, produziram pouco. Vai ver os milionários e bilionários empresários ficaram com tanto dinheiro porque acordavam antes da seis, pegavam ônibus, trem e metrô lotados, trabalhavam sozinhos mais de 8 horas por dia (fazendo algumas horas-extras), almoçavam em uma hora e ganhavam o suficiente para sobreviver. Caridosos, esses hoje endinheirados, ainda permitiam que alguns pobres fossem todos os dias às fábricas ou escritórios passar o tempo.

As pessoas, algumas, estão aprendendo a olhar os aposentados como vilões de uma sociedade que ajudaram a construir. É algo como uma história do Luís Fernando Veríssimo, um livro do Kafka ou um filme do Woody Allen, onde a personagem resolva matar o autor. Ou não! Talvez seja apenas um momento Édipo da nossa sociedade.