segunda-feira, 12 de outubro de 2015

PARA QUE VER CLARICE LISPECTOR? - By Dourovale

Ontem fui ver a Clarice Lispector. Para quê?
Sai de São Paulo e fui até Campinas apenas para ver Clarice.
Alguém pensou em me corrigir e disse: “Foi ver a Beth Goulart interpretar a Clarice Lispector?”
Foto: Rosana Xavier
Algumas vezes vamos ao Teatro para ver um ator específico, ou uma história que nos interessa. Apesar de saber que se trata de uma das grandes atrizes do atual Teatro Brasileiro, eu não fui ver a Beth.
Fui ver Clarice!
Para quê?
O Teatro Brasil Kirim foi uma grata surpresa. Muito confortável! Bem iluminado quando necessário. A visão do palco foi excelente.
No início da peça as informações de abertura, a ficha técnica, veio numa gravação que, creio, era a voz do Paulo Goulart. Tive o prazer de conhecer o pai da Beth num musical em que seu outro filho, também Paulo, atuava. Ele sentou-se ao lado e, durante a exibição, trocamos alguns comentários. Um dia normal para ele. Um dia especial para mim.

Mas a voz do Paulo me trouxe a informação, em cima da hora, que eu iria ver a Beth Goulart e não a Clarice.
Será que eu precisaria marcar um outro tipo de encontro para ver Clarice?
Nem deu tempo de filosofar muito...
Começou o espetáculo!
E eis que surge a voz estranha, os dedos tortos, a elegância, a sanidade, a loucura, as palavras, as personagens, a vida, as histórias, a pessoa.
Enfim encontrava-me com Clarice Lispector.
O cenário é formado por um divã, uma cadeira, um banco desses para uma pessoa, uma mesinha, a máquina de escrever e cinzeiros. Atrás e envolvendo/protegendo tudo isso uma cortina dessas de muitas tiras, bem fechadas.
Cortinas que servem para nos proteger dos olhares alheios e indevidos. Cortinas que servem para que escondamos o mundo e assim podermos viver plenamente em nós mesmos.

Para mim aquilo representa o cérebro da escritora. E assim, como acontece conosco (ao menos comigo), a realidade, os pensamentos e as histórias que cria misturam-se, completam-se, envolvem-nos.

Talvez as cortinas não sejam mesmo o cérebro, mas apenas um espelho.
Um espelho que reflete Clarice.
Um espelho que reflete suas personagens, que são sua forma de ver e traduzir o mundo e a si mesma.
Um espelho que reflete a nossa própria imagem, o nosso próprio medo daquele animal que nem o nome consigo escrever sem me sentir mal.
Depois do fim da peça a atriz volta ao palco para agradecer e falar.
Difícil! Difícil! Muito difícil!
Deixar de ver Clarice e visualizar a maravilhosa e elegante Beth Goulart.
Aplausos e mais aplausos.
Eu vi Clarice Lispector!
Para quê?
Para poder me ver um pouco sem rótulos e predefinições. Para, egoisticamente, usá-la como espelho.
Fui ver Clarice e me encantei mais ainda com a autora e com a atriz que lhe deu mais um sopro de vida.
Obrigado, Beth Goulart!

Obrigado, Clarice Lispector!

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