quinta-feira, 30 de outubro de 2014

SOL E CÍDIO (REISNANDIANO) - Dourovale

Hoje, nesse clima que é mais verão do que primavera, na rodovia de todos os dias, o sol brilhava intensamente e, parecia proposital, refletia-se nos autos da frente, ultrapassando o para-brisa e atingia meus olhos. O mundo que eu via passou a ser uma fantasia: as formas deformadas; as cores alteradas; os conceitos desconsiderados; o asfalto derretendo visivelmente (sim, era possível vê-lo derreter-se, onduladamente mole, virava vapor).
Negligenciei a proteção dos óculos escuros, que não me trariam a realidade, mas tornariam o mundo mais aceitável e compreensível. Aceitei como verdadeiras as imagens que se produziam e não me entendi precisando de ajuda.
Sem saber, ou, até talvez, sem me importar, que é o mesmo que não saber; arrisquei a minha vida. Pouco ou muito, a intensidade não importa. O que interessa são as possibilidades. Dirigi como que cego ou dopado, acreditando nas realidades deformadas que eu traduzia.
É assim a ilusão do sol que nem sempre resulta em acidente.

Mas, de forma contrária aos dizeres das ciências exatas, não possuímos apenas um sol que pode nos cegar.

O segundo sol difere entre as pessoas.
Para alguns é o trabalho.
Para outros o amor.
Há os que se ceguem por uma causa, por uma arte, por um esporte.
Encontramos quem se ilude com os reflexos imperfeitos das religiões, das políticas, das ganâncias, das traições, dos preconceitos.
Esse segundo sol causa os mesmos efeitos de deturpação da realidade e, embebidos ou deturpados, por não saber ou não querer, deixamos de lado os óculos escuros...
Colocamos a vida em risco, deixamos a consciência em xeque, apontamos uma arma para a nossa sanidade e nos sentimos bem.
Quando cegos não conseguimos perceber onde estão os dados para poder jogá-los e definir a sorte da nossa sina.
Quando cegos quem se apropria dos dados e os lança é o acaso.
Quando cegos deixamos a decisão do nosso destinos em mãos alheias.
Calma,
nem toda história de paixão cega termina triste.
Mas atenção,
nem toda história de visão deturpada termina bem.

Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, poderia ser entendido como um Conto de Fadas moderno. (Contos de Fadas sempre foram cruéis, certo?). As pessoas, no livro, assumem o que há de mais podre na alma humana quando acreditamos que um deturpado presente é sempre eterno.
Se não quiser ler, se preferir ofuscar sua vista com a visão de outra pessoa, veja o filme.
Um momento...
Antes de ir....
Responda:  Qual é o seu segundo sol?

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